Governem os governantes

Os governantes portugueses não apresentam a única competência que lhes é obrigatória: capacidade para governar.

Podem ser militantes devotos dos seus partidos, grandes malabaristas da retórica e até poços de carisma, mas raramente são hábeis a gerir os interesses públicos. Entristece-me constatar que é possível ter uma longa carreira política em Portugal sem qualquer competência de gestão. Basta-me ser um assíduo e eloquente partidário para que vá saltando de cargo em cargo sem nunca me ser exigido que perceba dos assuntos que estou a administrar. Em Portugal, criou-se este degradante hábito de escolher pessoas de confiança política para os mais variados cargos públicos em detrimentos de indivíduos com currículos técnicos apropriados.

O ato de governar não pode estar reduzido à atribuição de despachos positivos ou negativos nos processos e projetos. Tem de ser mais do que isso. É fundamental ter uma noção global e sistémica das matérias em causa e, sobretudo, melhorar a condição presente e preparar a circunstância futura. Ou seja, ter conhecimento de causa, capacidade para atuar e uma visão.

É frustrante perceber que em Portugal não há um mecanismo que impeça ou, pelo menos, questione a competência das pessoas que são designadas para os cargos públicos. Entristece-me conhecer, quase diariamente, novos casos de corrupção, abuso de poder e de confiança por parte dos nossos governantes, que encontram formas criativas de defraudar o erário português.

É urgente realizar uma revisão constitucional que garanta a idoneidade das pessoas escolhidas para os cargos públicos. É fundamental governar os governantes.

Educação infetada

Boy by Rui Caria on 500px.com A pandemia por COVID-19 colocou em causa inúmeros aspetos da sociedade portuguesa. De uma assentada, a partir da declaração do Estado de Emergência, ficou patente o que é ou não essencial para a sua manutenção, com consequências graves para todos nós. A Cultura, que já era moribunda, ficou ainda mais frágil; o Desporto viu-se sem alternativas; o Turismo tornou-se impossível; as empresas e os serviços públicos foram obrigados a transitar para o meio digital. Com maior ou menor mazela, a verdade é que cada indivíduo fez o que pôde (tal como dita a lei do desenrasque). Descontos, vendas online, concertos em direto, take-away, lay-off, etc. Cada um de nós, com ou sem máscara, com ou sem acrílico, com ou sem lavar as mãos, fez o que foi possível. Contudo, na prespetiva macrossistémica da sociedade, há duas vertentes que merecem a nossa atenção. A primeira é a Saúde, de forma positiva, porque satisfez as necessidades da pandemia (recorda-se que há uns meses a qualidade do SNS estava a ser questionada no parlamento). As medidas nacionais e regionais impostas, em articulação com a infraestrutura médica, permitiram que a lide com a COVID-19 tenha sido, até ao momento, exemplar. Mas há um outro setor da sociedade, igualmente importante, que ficou na sombra: a Educação. Declarado o Estado de Emergência, as aulas foram imediatamente suspensas. De repente, todos os alunos, professores e auxiliares foram para casa e o sistema ficou completamente paralisado. Só ao fim de dois meses é que começaram a surgir as dúvidas de como a escolaridade seria retomada. Ora, em 2007/2008 (sim, há 12/13 anos) fiz parte de uma turma experimental que introduziu o uso de computadores portáteis nas aulas. É verdade que, à data, o sistema teve muitas falhas, mas o balanço final foi positivo. Já passaram quase duas décadas e muitas inovações tecnológicas eliminaram grande parte das dificuldades. Por que é que o Estado foi incapaz de “digitalizar” a Educação desde então? Se assim o tivesse feito, a suspensão das aulas durante a pandemia seria completamente desnecessária. Exames, entradas nas faculdades, melhoria de notas, etc. Há uma panóplia de problemas que surgiram agora só porque o sistema educativo já deveria ter sido adaptado há muito tempo. Podem inventar as desculpas que quiserem, não foi difícil para os alunos adaptarem-se às aulas digitais, pois estão familiarizados com os dispositivos electrónicos. Acredito que os professores também se esforçaram para se adaptar à nova condição. A Educação é um dos pilares da sociedade e, por isso, deveria permanecer atenta à realidade e devidamente equipada. Só um homem educado será capaz de conhecer-se, de valorizar a vida e de construir um futuro.

Isto ou aquilo, mas exótico

Are you going in my way? by João Moniz on 500px.com

Ao analisar uma campanha publicitária de um destino nórdico, percebi que nós, açorianos, estamos a divulgar o nosso arquipélago da forma errada.

Tomando de exemplo a forma como se promove a ilha Terceira, algumas das premissas transmitidas aos [potenciais] turistas são: «Angra foi o centro político e administrativo do arquipélago», «Angra foi capital do reino», «Angra é património mundial desde 1983», etc. Note-se o que é constante nestas ideias: «Angra» como sujeito e «ser» como verbo. Hoje, no tempo da internet, o conhecimento está à distância de uma dedada e saber que Angra foi isto ou aquilo, na prespetiva da maioria dos turistas, pouco importa. Então, o que é que importa?

As redes sociais virtuais mudaram a individualidade. Existe a sensação de que há uma plateia de espetadores que querem saber de nós e não pretendemos desfraldar as suas expetativas. No mundo digital todos são sábios, inteligentes, divertidos e riscos. Ninguém é corroído pelo medo, desespero ou tédio.  Por isso, é necessário encher o tempo de antena e, quanto mais exótico for o conteúdo, melhor.

A promoção do destino Açores poderia aproveitar esta faceta dos novos tempos. Toda a divulgação deveria demonstrar o que é que o turista pode fazer/viver, em vez de se limitar a mostrar paisagens. Há que apostar, também, em criar condições para que estas experiências sejam possíveis. Deixar algumas restrições e manias de lado, organizar a oferta e garantir que tudo está articulado com o universo virtual.

Nos próximos tempos, onde a China e demais países orientais serão o centro económico global, os Açores, no extremo oposto, passarão a ser o fim do mundo. Sejamos perspicazes e preparemo-nos para tal, nem que seja para nos transformar-mos num fim do mundo exótico.

Qual é o futuro da Terceira?

Qual é o futuro da Terceira? Esta é a pergunta que todos os terceirenses podem colocar e que ninguém tem a responsabilidade para responder. Entre planos estratégicos mancos, feitos com utopias e conversas de circunstância, não há ninguém na região açoriana verdadeiramente responsável pelo futuro da ilha. As queixas caiem no vazio e a Conselho de Ilha serve de pouco.

Só as ilhas com um único Município parecem capazes de, alguma forma, dar resposta a uma questão semelhante. Qual é o futuro do Faial? Consulte-se a Câmara Municipal da Horta. Qual é o futuro das Flores? Questione-se a autarquia de Santa Cruz. Volto a perguntar: qual é o futuro da Terceira? A quem é que esta questão deve ser dirigida? Cada um dos seus dois concelhos está exclusivamente empenhado na sua parcela de território. Nenhum olha para a ilha como um todo porque, na verdade, não tem de o fazer. Volto a perguntar: qual é o futuro da Terceira? Ninguém sabe responder, porque não há ninguém que tenha de responder à questão.

A solução poderia passar pela fusão dos dois concelhos, por exemplo. Contudo, no contexto político atual é improvável que isso fosse equacionado. Poder-se-ia dar poderes executivos ao Concelho de Ilha, mas tal coisa poderia comprometer a integridade da região.

A inexistência de uma resposta à questão em epígrafe impede que haja investimento, a todos os níveis, na Terceira. E sem ele, não há futuro. Nota-se até uma certa complacência dos terceirences no que toda a esta indefinição. Enquanto o povo desta ilha não mudar de atitude, o futuro permanecerá incerto. Naturalmente, o que continuará certo, é que logo à tarde vão todos aos toiros.

Pouca terra, pouca terra…

In his way! by José Sousa on 500px.com

As instituições públicas açorianas são locomotivas a vapor. Os carris, tal como o decorrer do tempo, obrigam-nas a andar para a frente, contra a inércia dos funcionários mandriões, o seu peso bruto e morto. Ao volante embandeira-se um partido qualquer, e a colocar o carvão no forno estão os dirigentes eleitos para chefiar aquela viagem. Anda-se para a frente, porque só para a frente se pode andar. Não há um destino definido porque o caminho que se faz é o próprio destino, interessa é andar para a frente.

Nas estações não entram nem saem passageiros, apenas os trabalhadores do carvão que partem para outras locomotivas mais ou menos sofisticadas. Parece que os verdadeiros passageiros são esses homens do carvão. Às vezes, perguntam-nos para onde vai a locomotiva e eles, mestres no balbuciamento de palavras vazias, dizem coisas bonitas, cheias de esperanças e utopias. Afinal, são eles que querem chegar à estação seguinte.

Há pessoas nos vales e montes destas ilhas de basalto salgado que precisam das locomotivas que passam, mas as máquinas limitam-se a manifestar a sua presença com buzinadelas trovejantes que desencorajam qualquer intento para nelas entrar, desaparecendo rapidamente no espesso fumo que para trás deixam. Sim, o fumo tóxico que deixam e que envolve as pessoas como um fantasma que faz de contas que acalma a sua solidão e pequenez. Só alguns víveres conseguem um lugar nos vagões. Ora por sorte ou cunha, cada passageiro só pode ser uma de três coisas: um peso morto, um trabalhador do carvão ou alguém que vai cuidado da própria locomotiva – estes últimos são muito estimados, mas raros.

Os homens do carvão, talvez por passarem tanto tempo no calor e escuridão ardente dos fornos, têm uma forma secreta de falar e estar uns com os outros. Entre eles há uma série de verdades não ditas, de pensamentos proibidos e desejos disfarçados. São complacentes no que diz respeito ao trajecto das locomotivas: para a frente é que se faz caminho. Não importa de onde vem o carvão, qual é a sua qualidade, preço ou impacto dos fumos que deixa para trás. Afinal, na próxima estação, irão trocar de locomotiva. Nos Açores, há muito que a vida das instituições públicas deixou de servir os açorianos e serve apenas as bandeiras partidárias e a esperteza de alguns fulanos. Tenho a sensação de que mais ninguém se preocupa com o estado dos carris. Todos aceitaram preocupar-se exclusivamente consigo mesmos.

E tu, caro leitor? Qual é o teu lugar na ferrovia?

Tal mãe, tal filho.

Hoje, o Governo Regional é uma parideira de empresários deficientes. Quando o meu pai criou o seu próprio negócio nos anos noventa, fê-lo conforme as suas possibilidades: construiu um espaço adequado ao seu trabalho, adquiriu paulatinamente as ferramentas necessárias e, à medida do possível, foi melhorando as capacidades dos serviços que presta. Tudo o que alcançou deveu-se ao seu esforço e destreza na gestão contínua do seu negócio – isto é o que define um verdadeiro empreendedor. Vinte anos depois, já não existem pessoas capazes de criar negócios sozinhas e de forma sustentável porque o Governo Regional, em troca de votos, lobismo e favores, dá tudo o que qualquer indivíduo necessita para criar um negócio.

Hor... by Rui Caria on 500px.com

Nos dias que correm, é impossível contabilizar os programas de financiamento (muitos deles, a fundo perdido) destinados aos «empreendedores», assim como as entidades que lhes prestam apoio (Direções Regionais, SDEA, Câmaras do Comércio e afins). A quantidade de euros comunitários é tão abundante que se criam espaços megalómanos, muito superiores aos mercados que procuram satisfazer. Aliás, a mama é tão grande que até os recursos humanos são dádivas do Governo, através dos inúmero programas de estágio e ocupação que existem. Esta conjuntura permite que o empreendedorismo nos Açores, nos nossos dias, funcione da seguinte forma: não importa quão insustentável ou estapafúrdia é a ideia de um empreendedor, pois o Governo encontra todo o dinheiro necessário para concretizar a idiotice, assim como os fâmulos que irão, por uns meses ou anos, fazer a coisa parecer que funciona. Se o negócio estoirar não há qualquer problema, pois existe mais dinheiro à disposição para criar outros negócios. Será que estes novos e modernos empreendedores, que evoluem a toque de biberon para CEO, poderão fortalecer a economia da Região Autónoma dos Açores? Não, pois são empresários deficientes que não enfrentaram as verdadeiras tormentas da odisseia empreendedora.
PS: Não se esqueça de fazer uma visita de estudo à Web Summit.

Balbuciar o futuro

O progresso da sociedade assenta num esforço contínuo pela criação e concretização de objetivos. Contudo, atualmente, este empreendimento funciona ao solavanco.

The long road by Rui Caria on 500px.com

Durante séculos, muitos indivíduos acreditaram que uma sociedade perfeita permitiria que cada indivíduo pudesse expressar-se livremente e intervir diretamente nos sistemas sociais onde estivesse inserido. Por outras palavras, ansiava-se a vinda da internet (onde qualquer pessoa, independentemente da sua posição social, pode manifestar e proliferar as suas ideias e opiniões sem qualquer filtro) e da democracia (onde cada cidadão pode intervir, através do voto, na escolha, por exemplo, do próximo chefe de governo). Contudo, os (mais ou menos) vinte anos da rede e quarenta e quatro do sistema democrático já mostraram que estas duas coisas não são a melhor combinação para estar presente numa sociedade. A internet deu voz aos idiotas e fê-los perceber que são a maioria. Os políticos inseridos na democracia já apreenderam a receita para movimentar o rebanho de palermas a seu favor (meia dúzia de provocações basta), apenas necessitam de ser corretos, i.e. politicamente corretos, não vá algum dos idiotas ficar ofendidinho e gerar uma onda de protesto. Tudo isto está envolto por uma espécie de «novo» populismo (as aspas servem para demarcar o populismo numa era prévia à internet) que se tem manifestado em países tão vastos como os Estados Unidos da América. Se este modus operandi já está estabelecido a nível nacional, ele é naturalmente ampliado nos planos regional e local. Isto nota-se, sobretudo, no uso exagerado das redes sociais por parte dos políticos.

Parece que vivemos num tempo onde já não existem políticas nacionais, regionais ou locais de médio ou de longo prazo que visem realmente o progresso da sociedade. Só são realizados os esforços que mostrem resultados em menos de quatro anos. Pior, uma parte significativa das iniciativas visam apenas alguns likes nas redes sociais, ou seja, tentar mostrar que se estão a fazer coisas.

Já não existem políticas que resolvam problemas e melhorem a vida das pessoas. Parece que os países, as suas regiões e localidades passaram a ser grandes infantários onde se vive continuamente num jogo do faz-de-conta. Nesta sentido, o povo são as crianças pequenas que vão brincando na areia que os mais crescidos, os políticos, lhes atiram para os olhos. Também são estes bullies que vão manuseando os brinquedos (ou seja, as instituições públicas) com muita destreza para chamarem à atenção do professor (i.e. o seu próximo e ambicioso cargo político), na esperança de receberem atenção e passarem a pertencer ao grupo dos favoritos. Entretanto, espera-se calmamente que o tempo passe, para que, sem esforço, sejam todos integrados num novo ano letivo.

A política dos pensos rápidos

A máquina governativa socialista açoriana está a descaracterizar a autonomia, a ludibriar o povo e a exterminar o futuro da região.

A independência na administração dos Açores ganhou sentido quando o governo de Lisboa, depois da Revolução dos Cravos, continuava a emanar políticas que não se ajustavam à realidade insular. Foi este o mote que criou o princípio autonomista, onde se defende que as pessoas mais indicadas para encontrar uma solução, são as mesmas que conhecem o problema.

Desde 8 de setembro de 1976, data em que o primeiro Governo Regional tomou posse, os açorianos experimentaram, primeiro, uma lide social-democrata e, desde 1996, um maneio socialista. Em 22 anos, a esquerda conseguiu desenvolver uma máquina implacável que, em vez de servir os açorianos, serve ela própria. Como é que chegamos a este ponto?

Para garantir as sucessivas reeleições, os governos de Carlos César e Vasco Cordeiro dão aquilo que as pessoas mais desejam: emprego. Isto poderia ser uma utopia tornada realidade, contudo o problema reside na qualidade dessa dádiva, pois são trabalhos precários que replicam e complicam as responsabilidades do poder regional. Naturalmente, este facto materializa-se sobretudo através da criação de entidades público-privadas, onde o governo paga as despesas e uns privados – muito saudosos e exclusivos – arrecadam os lucros. Este método tem «ocupado» o povo que retribuí o «favor» através de votos, mantendo a esquerda na dianteira.

Esta receita, com resultados repetidamente comprovados, levou ao estado atual das coisas: um Governo insolvente que usa o dinheiro para sustentar empregos fictícios e serviços duplicados. Na verdade, o que a administração açoriana deveria fazer – porque é esta a sua responsabilidade primordial – seria minimizar os condicionalismos da insularidade, com vista à melhoria da importação e exportação de bens e serviços produzidos na região, para que as empresas locais pudessem ser competitivas no panorama extrarregional e, por sua vez, permitir a criação de empregos dignos para os açorianos.

Há muito tempo que a forma de governança à esquerda nos Açores demonstrou que dá peixe em vez de ensinar a pescar. Qual poderá ser o futuro de uma região que é incapaz de pensar num prazo mais lato que quatro anos? Qual é o futuro de um Governo que há demasiado tempo recorre a pensos rápidos, em vez de suturar as feridas?

A nova feira medieval da ilha Terceira

Field by Rui Caria on 500px.com

Foram necessários oito anos para construir o Parque Multissetorial da Ilha Terceira, ou seja, para erguer meia dúzia de paredes e colocar umas placas a servir de tecto.

A construção de um novo espaço dedicado à realização de eventos de grande dimensão representava uma oportunidade para aproveitar a centralidade da Terceira no arquipélago, e dos Açores no atlântico. Entre a insolvência do empreiteiro e a inércia do funcionalismo público, demasiados milhões de euros sumiram-se ao sabor do tempo. A jornada deste projeto, desde o papel até ao mundo metafísico, foi tenebrosa: era suposto os terceirenses ganharem um espaço para feiras futuristas e acabaram por receber um lugar para organizar feiras medievais. Um parque de estacionamento insuficiente, uns hangars pequenos e mal ventilados, entre outras coisas reles, mostram que o povo ficou mal servido.

Não bastava a triste e morosa história da sua construção, o Governo dos Açores decidiu usar o Wine In Azores – uma feira de degustação de vinhos – para inaugurar o Parque Multissetorial da Ilha Terceira. Deus abençoe os iluminados que julgaram que a melhor forma de mostrar o potencial deste novo equipamento, seria usar um evento de nicho. Como esta iniciativa não era suficientemente volumosa para ocupar todo o espaço, os servos de Cristo lembraram-se de encher com chouriço o resto da feira… Aliás, com chouriço, carros, sapatos, electrodomésticos, perfumes, e muitas outras coisas que nada têm a ver com a vinicultura.

Neste episódio ficou claro que o destino medíocre do Parque está traçado. Menos de um mês depois, a Feira Agrícola Açores 2018 demonstra, com clareza, que o espaço está a ser utilizado negligentemente: a sensibilidade dos gestores do lugar é nula para a organização, componente expositiva e design da experiência, com prejuízo para todos os empresários que lá investem e todos os visitantes que de lá saem com as expectativas furadas.

Para bem de todos os açorianos, faço este serviço público: necessitam-se indivíduos capazes de organizar feiras, potenciando a venda de produtos mediante as suas especificidades, recorrendo aos equipamentos e espaços do Parque Multissetorial da Ilha Terceira.*

* Apenas se aceitam candidatos com experiência comprovada na matéria.**
** Feiras medievais não contam.

Nós vamos morrendo, obrigado.

Pure Water by Arsénio Romeiro on 500px.com

A contaminação dos solos da ilha Terceira despertou a atenção do Diário Insular em 2008. Desde então, este jornal local tem, incansavelmente, acompanhado, investigado e trazido à estampa todos os aspetos relacionados com esta temática. Foi uma batalha a solo com apenas duas frágeis armas: a persistência e a noção de que o jornalismo serve os cidadãos.

Hoje, passados dez anos, o tema que até agora estava contido no arquipélago, já está a ser discutido em canais de comunicação nacionais e internacionais.

Por que motivo é que o assunto só saltou para a ribalta agora? Quantas pessoas, inconscientes, é que já foram afetadas ou estão em contacto permanente com a contaminação?

O Governo dos Açores está de parabéns pela sua excelente capacidade para varrer o tema para debaixo do tapete e assobiar para o lado: foram dez anos a abafar o assunto; dez anos a fazer de contas que nada estava errado; dez anos a deixar os açorianos a morrer sem saberem por quê.

Agora que o tópico deixou de estar sob o seu controlo, o executivo está nitidamente desnorteado e defende-se deixando os seus santos e apóstolos dissertarem argumentos idiotas, numa tentativa de dissuadir o interesse no assunto.

Tenho a perfeita noção de que a inquietação, infelicidade e morte de 56.000 terceirenses não representa nada perante a sagacidade pela riqueza e bem-estar de 323 milhões de norte-americanos ou paz de 10 milhões de portugueses. Contudo, ainda tenho esperança de que algo será feito para minimizar (e, quiçá, eliminar) a contaminação dos solos da ilha do cancro. Até isso acontecer, sempre que nos perguntarem como estamos, basta responder com a verdade: “Nós vamos morrendo, obrigado”.