A cegueira do orgulho

Na reta final das comemorações dos 40 anos da inscrição da zona central de Angra do Heroísmo na lista do Património Mundial da UNESCO, a autarquia organizou uma mesa redonda sob a temática «E como podemos preparar o futuro?». Quis estar presente na iniciativa porque, julguei, seria um espaço onde se refletiria sobre a cidade e se perspetivariam rumos para o seu futuro. Contudo, as minhas espectativas saíram frustradas. Independentemente da elevada competência dos ilustres palestrantes, senti que nenhum deles, de forma alguma, respondeu à questão central para a qual foram convocados. A isto somou-se a assistência, repleta da «velha guarda» que vivenciou a reconstrução da cidade, e que acabou por guiar o debate para o enaltecimento do ato de classificação e apontou o dedo aos dissabores que a comporta. Infelizmente, a discussão centrou-se sobretudo em aspetos da arquitetura dos edifícios.

Uma cidade é um sistema ativo com várias componentes interdependentes que formam uma rede complexa que permite a vida digna em sociedade.

Ora, uma cidade não é apenas um conjunto arquitetónico. Uma cidade é um sistema ativo com várias componentes interdependentes que formam uma rede complexa que permite a vida digna em sociedade. Ao preparar o futuro de uma urbe, pouco importa se as regras arquitetónicas dos edifícios são dissonantes ou se ferem um determinado estilo ou época. As questões que devem ser equacionadas devem centrar-se nas matérias que têm um impacto direto na cidade enquanto sistema. Refiro-me ao trânsito, ao estacionamento, ao conforto do piso, à sinalética, à gestão do espaço, do ruído, das áreas verdes, da sombra, da localização e acesso aos serviços, à limpeza, ao urbanismo, à segurança, etc. O futuro de Angra, tal como de qualquer outra cidade independentemente do seu tamanho, tem de passar pela reflexão sobre os problemas e as soluções para estes assuntos, porque são estes que têm um impacto direto na qualidade de vida da sociedade. Sem resolver estes problemas, a cidade não se torna atrativa para viver, trabalhar ou visitar.

Passaram 40 anos. A cidade foi destruída e já está totalmente reconstruída. Sem dúvida, estamos gratos a todos os que tornaram isto possível, mas agora é tempo de seguir em frente e preparar as próximas décadas. Deixem as ideias (e pessoas) novas florescer.