A Maria foi uma mosca exemplar. Viveu uma vida extraordinária, sem medos ou preconceitos.
Nasceu numa família comum, teve uma infância normal e uma adolescência tranquila. Decidiu aderir ao Facebook e deixou-se indignar com as dores alheias. Pouco depois, também ela começou a incomodar-se.
A Maria não gostou que arrancassem as ervas daninhas do passeio e tornou-se ambientalista, demonstrando a sua indignação no Instagram. Depois não engraçou com um gato acidentalmente atropelado e associou-se à causa animal. A quantidade de felinos e os respetivos assassinatos eram elevados e o sermão perdeu relevância. Saltou então para um grande barco e foi salvar baleias no Ártico. Como o wi-fi era fraco e o capitão do navio, machista, não queria aproximar-se da costa para obterem um melhor sinal, a Maria tornou-se feminista. Foi para Nova York participar numa manifestação LGBTQQICAPF2K+ onde conheceu um trangénero. Percebeu então que sempre tinha sido um homem encapuçado num corpo de mulher. Fez uma campanha no GoFundMe e angariou dinheiro suficiente para todas as operações de transformação. Depois de muitas plásticas, descobriu que algumas clínicas desfraldavam os clientes. Decidiu juntar-se às associações de direito ao consumidor e terminar a aldrabice. Sem querer, descobriu que essas mesmas clínicas financiavam as associações. Quis então criar a sua própria fundação para lutar contra os lobbies, preconceitos e injustiças do mundo. A jornada foi documentada num canal do YouTube, através do qual os patronos anónimos doavam dinheiro. Apesar dos numerosos likes e partilhas, não conseguiu nem metade dos fundos necessários para estabelecer o empreendimento. Usou então o euros angariado para viajar pelo mundo e dar a conhecer a sua história de vida em palestras motivacionais.
A Maria foi encontrada morta, num beco de uma cidade qualquer, junto a um caixote do lixo. A Maria era uma mosca exemplar. O incómodo vê-la voar de poiso em poiso. Viveu uma vida extraordinária, sem medos ou preconceitos. Não deixou amarras, rebentos ou mudanças. A Maria foi o que podia ser: uma mosca.