Funeral de uma mosca

The fly by Alice Machado on 500px.com

A Maria foi uma mosca exemplar. Viveu uma vida extraordinária, sem medos ou preconceitos.

Nasceu numa família comum, teve uma infância normal e uma adolescência tranquila. Decidiu aderir ao Facebook e deixou-se indignar com as dores alheias. Pouco depois, também ela começou a incomodar-se.

A Maria não gostou que arrancassem as ervas daninhas do passeio e tornou-se ambientalista, demonstrando a sua indignação no Instagram. Depois não engraçou com um gato acidentalmente atropelado e associou-se à causa animal. A quantidade de felinos e os respetivos assassinatos eram elevados e o sermão perdeu relevância. Saltou então para um grande barco e foi salvar baleias no Ártico. Como o wi-fi era fraco e o capitão do navio, machista, não queria aproximar-se da costa para obterem um melhor sinal, a Maria tornou-se feminista. Foi para Nova York participar numa manifestação LGBTQQICAPF2K+ onde conheceu um trangénero. Percebeu então que sempre tinha sido um homem encapuçado num corpo de mulher. Fez uma campanha no GoFundMe e angariou dinheiro suficiente para todas as operações de transformação. Depois de muitas plásticas, descobriu que algumas clínicas desfraldavam os clientes. Decidiu juntar-se às associações de direito ao consumidor e terminar a aldrabice. Sem querer, descobriu que essas mesmas clínicas financiavam as associações. Quis então criar a sua própria fundação para lutar contra os lobbies, preconceitos e injustiças do mundo. A jornada foi documentada num canal do YouTube, através do qual os patronos anónimos doavam dinheiro. Apesar dos numerosos likes e partilhas, não conseguiu nem metade dos fundos necessários para estabelecer o empreendimento. Usou então o euros angariado para viajar pelo mundo e dar a conhecer a sua história de vida em palestras motivacionais.

A Maria foi encontrada morta, num beco de uma cidade qualquer, junto a um caixote do lixo. A Maria era uma mosca exemplar. O incómodo vê-la voar de poiso em poiso. Viveu uma vida extraordinária, sem medos ou preconceitos. Não deixou amarras, rebentos ou mudanças. A Maria foi o que podia ser: uma mosca.

Em nome do Facebook, do Instagram e do Youtube. Ámen!

Está a decorrer a V edição das Jornadas de Comunicação, organizadas pelo Serviço Diocesano da Pastoral das Comunicações Sociais, em Angra do Heroísmo. Dedicadas ao tema «As redes sociais: itinerários para um encontro», o primeiro de dois dias de trabalhos já permitiu concluir que a a Igreja açoriana tem de se integrar nestas plataformas com vista à promoção da fé cristã. Falou-se no desafio das fake news e da fragilidade de todos nós, sobretudo das crianças, no mundo virtual. Atiraram-se pedras ao sistema educativo, denunciando o facto de não estar preparado para educar [futuros] cidadãos no uso responsável da internet. Por fim, constatou-se que a promoção «do bem» no ciberespaço é uma responsabilidade de cada um de nós.

Diving by Al Br on 500px.com

Aponta-se, desde já, a ironia: num encontro onde se reúnem comunicação social e Igreja para falar sobres as redes sociais, conclui-se que a segunda tem de usar estas plataformas porque são mais eficazes que a primeira.

O propósito deste encontro é pertinente, contudo não foram feitas as perguntas certas:

  • QUAL É O PAPEL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HOJE, onde os consumidores de informação são também produtores (prosumer) e onde os organismos públicos e  respetivos dirigentes, através das redes sociais, podem comunicar diretamente com as pessoas?
  • COMO É QUE UM ÓRGÃO DE COMUNICAÇÃO HOJE PODE PREPARAR-SE PARA O FUTURO, quando luta pela atenção do consumidor na diversidade de conteúdos a que este tem acesso?
  • HÁ FUTURO PARA OS ORGÃOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL?

Os órgãos de comunicação social já não são os monopólios que foram e, devido aos seus compromissos comerciais com publicidade, parceiros e pagamento de ordenados, não conseguem competir com os influencers das redes sociais que têm muito menos a perder.

Também não é benéfico que a comunicação social se sinta superior ao poder da rede ou que se faça de vítima. A internet não é nova e já tem história e memória. Recorda-se o que aconteceu com a indústria discográfica nos anos zero, quando tentaram impedir o download de músicas. A luta resultou em pouco mais do que umas leis toscas que de pouco ou nada serviram. No fim, os barões da música entenderam que não poderiam lutar contra o mundo digital e passaram a usá-lo como uma ferramenta. Hoje, o universo virtual é fundamental para qualquer artista, mesmo fora do âmbito musical. A comunicação social deve tomar um rumo semelhante, olhando para a internet como uma oportunidade para melhorar o seu trabalho junto dos cidadãos. A rede, por natureza, indica quais são as pessoas, objetos e assuntos que despertam interesse e os orgãos de comunicação social têm as ferramentas para que a transmissão de ideias seja bem efetuada.

Quanto ao uso das redes sociais pela Igreja açoriana, será necessário que formem os seus quadros para que as saibam utilizar. Caso contrário será um foco permanente de polémicas e escândalos, sobretudo numa sociedade [ainda] conservadora como a nossa.

A comunicação social e a Igreja desempenham um papel importante na vida do povo e não podem, de forma alguma, comprometer essa responsabilidade. Assim, devem utilizar todos os meios ao seu alcance, novos ou velhos, para garantir que continuam a ser um pilar na integridade social açoriana.

Tal mãe, tal filho.

Hoje, o Governo Regional é uma parideira de empresários deficientes. Quando o meu pai criou o seu próprio negócio nos anos noventa, fê-lo conforme as suas possibilidades: construiu um espaço adequado ao seu trabalho, adquiriu paulatinamente as ferramentas necessárias e, à medida do possível, foi melhorando as capacidades dos serviços que presta. Tudo o que alcançou deveu-se ao seu esforço e destreza na gestão contínua do seu negócio – isto é o que define um verdadeiro empreendedor. Vinte anos depois, já não existem pessoas capazes de criar negócios sozinhas e de forma sustentável porque o Governo Regional, em troca de votos, lobismo e favores, dá tudo o que qualquer indivíduo necessita para criar um negócio.

Hor... by Rui Caria on 500px.com

Nos dias que correm, é impossível contabilizar os programas de financiamento (muitos deles, a fundo perdido) destinados aos «empreendedores», assim como as entidades que lhes prestam apoio (Direções Regionais, SDEA, Câmaras do Comércio e afins). A quantidade de euros comunitários é tão abundante que se criam espaços megalómanos, muito superiores aos mercados que procuram satisfazer. Aliás, a mama é tão grande que até os recursos humanos são dádivas do Governo, através dos inúmero programas de estágio e ocupação que existem. Esta conjuntura permite que o empreendedorismo nos Açores, nos nossos dias, funcione da seguinte forma: não importa quão insustentável ou estapafúrdia é a ideia de um empreendedor, pois o Governo encontra todo o dinheiro necessário para concretizar a idiotice, assim como os fâmulos que irão, por uns meses ou anos, fazer a coisa parecer que funciona. Se o negócio estoirar não há qualquer problema, pois existe mais dinheiro à disposição para criar outros negócios. Será que estes novos e modernos empreendedores, que evoluem a toque de biberon para CEO, poderão fortalecer a economia da Região Autónoma dos Açores? Não, pois são empresários deficientes que não enfrentaram as verdadeiras tormentas da odisseia empreendedora.
PS: Não se esqueça de fazer uma visita de estudo à Web Summit.

Balbuciar o futuro

O progresso da sociedade assenta num esforço contínuo pela criação e concretização de objetivos. Contudo, atualmente, este empreendimento funciona ao solavanco.

The long road by Rui Caria on 500px.com

Durante séculos, muitos indivíduos acreditaram que uma sociedade perfeita permitiria que cada indivíduo pudesse expressar-se livremente e intervir diretamente nos sistemas sociais onde estivesse inserido. Por outras palavras, ansiava-se a vinda da internet (onde qualquer pessoa, independentemente da sua posição social, pode manifestar e proliferar as suas ideias e opiniões sem qualquer filtro) e da democracia (onde cada cidadão pode intervir, através do voto, na escolha, por exemplo, do próximo chefe de governo). Contudo, os (mais ou menos) vinte anos da rede e quarenta e quatro do sistema democrático já mostraram que estas duas coisas não são a melhor combinação para estar presente numa sociedade. A internet deu voz aos idiotas e fê-los perceber que são a maioria. Os políticos inseridos na democracia já apreenderam a receita para movimentar o rebanho de palermas a seu favor (meia dúzia de provocações basta), apenas necessitam de ser corretos, i.e. politicamente corretos, não vá algum dos idiotas ficar ofendidinho e gerar uma onda de protesto. Tudo isto está envolto por uma espécie de «novo» populismo (as aspas servem para demarcar o populismo numa era prévia à internet) que se tem manifestado em países tão vastos como os Estados Unidos da América. Se este modus operandi já está estabelecido a nível nacional, ele é naturalmente ampliado nos planos regional e local. Isto nota-se, sobretudo, no uso exagerado das redes sociais por parte dos políticos.

Parece que vivemos num tempo onde já não existem políticas nacionais, regionais ou locais de médio ou de longo prazo que visem realmente o progresso da sociedade. Só são realizados os esforços que mostrem resultados em menos de quatro anos. Pior, uma parte significativa das iniciativas visam apenas alguns likes nas redes sociais, ou seja, tentar mostrar que se estão a fazer coisas.

Já não existem políticas que resolvam problemas e melhorem a vida das pessoas. Parece que os países, as suas regiões e localidades passaram a ser grandes infantários onde se vive continuamente num jogo do faz-de-conta. Nesta sentido, o povo são as crianças pequenas que vão brincando na areia que os mais crescidos, os políticos, lhes atiram para os olhos. Também são estes bullies que vão manuseando os brinquedos (ou seja, as instituições públicas) com muita destreza para chamarem à atenção do professor (i.e. o seu próximo e ambicioso cargo político), na esperança de receberem atenção e passarem a pertencer ao grupo dos favoritos. Entretanto, espera-se calmamente que o tempo passe, para que, sem esforço, sejam todos integrados num novo ano letivo.